A decisão do Ministério Público de ajuizar Ação Civil Pública de improbidade administrativa contra o prefeito de Santa Inês, 15 dos 17 vereadores e a empresa Valparaíso Complexo Turístico Ltda gerou polêmica, dividiu opiniões e, inevitavelmente, gerou um debate substancial e oportuno sobre um tema delicado e que exige cautela e preparo técnico para se trabalhar caso a caso: possibilidade e legalidade na doação de áreas públicas para atividades particulares.
Recapitulando
A titular da 1ª Promotoria de Justiça de Santa Inês, Flávia Valéria Nava, pediu à Justiça que reconheça a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 51/2013, anulando a doação de um bem municipal (terreno de 15mil m2 para a construção de um parque aquático) à empresa Valparaíso Complexo Turístico Ltda. Também foi pedida a condenação dos acusados por improbidade administrativa, ressarcimento integral do dano no valor do bem doado, após a aferição técnica, além da perda da função pública dos demandados e suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos. (veja matéria completa sobre o assunto aqui e aqui)
"A pressa na remessa do projeto de lei, por parte do prefeito, aponta para a violação do princípio da impessoalidade, em claro intuito de beneficiar a empresa requerente", afirma a promotora de justiça Flávia Nava que segue questionando: "Nenhuma cautela foi adotada tanto por parte do Município de Santa Inês, quanto pelos vereadores na apreciação do projeto, uma vez que sequer foi realizado um estudo jurídico e social para aferir se a empresa beneficiária da doação é adequada a receber o terreno. Tal procedimento fere os princípios constitucionais da impessoalidade, publicidade e moralidade".
Pois bem. Um amigo advogado enviou-me um artigo muito interessante de autoria da advogada Marta Lúcia de Bona, da Coordenação Jurídica da Associação Mato-Grossense dos Municípios e eu faço questão de compartilhar com os leitores do Notas do Daniel Aguiar, afim de que possa ajudar a entender melhor o assunto.
O parecer abaixo é da advogada, a conclusão é sua e a decisão final é da Justiça.
Doação de bens públicos imóveis
* Marta Lúcia De Bona
Muitos Municípios de nosso Estado solicitam informações acerca da possibilidade e legalidade na doação de áreas públicas para atividades particulares de interesse da comunidade.
Inicialmente, devemos lembrar que trata a matéria de concessão de bem público, situação na qual Administração Municipal pode excepcionalmente ter interesse em alienar bens de sua propriedade, ou seja, transferi-la com remuneração ou gratuitamente, sob a forma de leilão, doação, dação em pagamento, permuta ou investidura, de acordo com o caso e o interesse social, devendo a modalidade adequada ser utilizada com observância das exigências administrativas para o contrato alienativo e atendendo aos requisitos específicos do instituto escolhido.
Cabe registrar por oportuno o conceito de “Doação” segundo o saudoso mestre Hely Lopes Meirelles, verbis:
“Doação é o contrato pelo qual uma pessoa (doador), por liberalidade, transfere do seu patrimônio um bem para o de outra (donatária), (CC 1916, art. 1.165; CC 2002, arts 538 e ss.). É contrato civil, e não administrativo, fundado na liberalidade do doador, embora possa ser com encargos para o donatário.
A Administração pode fazer doações de bens móveis e imóveis desafetados do uso público, e comumente o faz para incentivar construções e atividades particulares de interesse coletivo. Essas doações podem ser com ou sem encargos e em qualquer caso dependem de lei autorizadora, que estabeleça as condições para sua efetivação, de prévia avaliação do bem a ser doado e de licitação.”(Grifo nosso) (Direito Administrativo Brasileiro, 29º Edição, 2004, p. 512).
Conforme demonstrado, a doação é possível, pois visa incentivar atividades particulares e principalmente o desenvolvimento econômico e social de interesse do Município. Contudo, para que se possa realizar devidamente a doação, faz-se mister a elaboração de lei autorizativa que estabeleça as condições para sua efetivação.
Vejamos o entendimento do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso a respeito do assunto:
“Processo nº 18.065-3/2008
Interessada: Prefeitura Municipal de Diamantino
Relator: Conselheiro José Carlos Novelli
O TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE MATO GROSSO, nos termos do artigo 1º, inciso XVII, da Lei Complementar nº 269/2009 (Lei Orgânica do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso) e do artigo 81, inciso IV, da Resolução nº 14/2007 (Regimento Interno do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso), resolve, por unanimidade, acompanhando o voto do Conselheiro Relator que acolheu a sugestão do Auditor Substituto de Conselheiro Luiz Henrique Lima e contrariando o Parecer Oral do Ministério Público emitido em Sessão Plenária, com fundamentação nos artigos 48 e 49 da Lei Complementar nº 269/2007, em, preliminarmente, conhecer da presente consulta e, no mérito, responder ao consulente que: 1 – A doação de bem público imóvel exige: a) desafetação, se for o caso; b) autorização em lei específica; c) tratar de interesse público devidamente justificado; d) prévia avaliação do imóvel; e) dispensada a licitação, nas hipóteses previstas em lei, inclusive para as alienações gratuitas no âmbito de programas habitacionais ou de regularização fundiária de interesse social (art. 17, inciso I, alíneas “b”, “ f” e “h”, da Lei nº 8.666/93); 2 – Os Estados, Municípios e o Distrito Federal poderão doar bens públicos a pessoa jurídica de direito privado, em razão dos efeitos da liminar concedida pelo Supremo Tribunal Federal na ADI nº 927. Todavia, a doação deverá sempre atender ao interesse público, sendo vedada qualquer conduta que implique em violação aos princípios da isonomia ou igualdade, da moralidade e da impessoalidade (arts. 5º, caput, e 37, caput, ambos da Constituição Federal Brasileira); e 3 – É vedada a doação de quaisquer bens públicos, valores ou benefícios no ano eleitoral (1º de janeiro a 31 de dezembro), salvo nos casos de calamidade pública, estado de emergência ou inseridos em programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior (art. 73, parágrafo 10, da Lei nº 9.504/1997). Remeta-se ao consulente fotocópia do Parecer de fls. 5/20-TC, bem como do inteiro teor do relatório e voto do Conselheiro Relator. Após as anotações de praxe arquive-se os autos, nos termos da Instrução Normativa nº 01/2000 deste Tribunal de Contas.
Participaram do julgamento os Senhores Conselheiros Valter Albano, Alencar Soares, Humberto Bosaipo e Waldir Júlio Teis.” (Grifo nosso) (www.tce-mt.gov.br)
Utiliza-se a doação de bens públicos sempre que o interesse público puder indicar ser essa a modalidade de transferência da propriedade mais vantajosa que alguma outra, o que muitas vezes se torna dificultoso; mas não deixa de ser frequente, como no caso de doação de lotes públicos a particulares, pessoas físicas ou jurídicas, em distritos industriais, com encargos de edificação e funcionamento de indústrias, mesmo que tributariamente incentivados, tudo visando oferecer empregos à população local, desenvolvimento da atividade econômica e, ao longo do tempo, propiciar aumento da arrecadação tributária.
Desta forma, as doações podem ser com ou sem encargos, sendo que as doações dependerão de autorização do Poder Legislativo, com vistas às condições para a efetivação do contrato e de avaliação prévia do bem a ser doado, devendo ser observado as determinações contidas no artigo 17 da Lei 8.666/93. Vejamos:
“Art. 17. A alienação de bens da Administração Pública, subordinada à existência de interesse público devidamente justificado, será precedida de avaliação e obedecerá às seguintes normas:
I - quando imóveis, dependerá de autorização legislativa para órgãos da administração direta e entidades autárquicas e fundacionais, e, para todos, inclusive as entidades paraestatais, dependerá de avaliação prévia e de licitação na modalidade de concorrência, dispensada esta nos seguintes casos:
...
b) doação, permitida exclusivamente para outro órgão ou entidade da administração pública, de qualquer esfera de governo, ressalvado o disposto nas alíneas f, h e i; (Redação dada pela Lei nº 11.952, de 2009)
...
`PAR` 1º Os imóveis doados com base na alínea "b" do inciso I deste artigo, cessadas as razões que justificaram a sua doação, reverterão ao patrimônio da pessoa jurídica doadora, vedada a sua alienação pelo beneficiário.
...
`PAR` 4º A doação com encargo será licitada e de seu instrumento constarão, obrigatoriamente os encargos, o prazo de seu cumprimento e cláusula de reversão, sob pena de nulidade do ato, sendo dispensada a licitação no caso de interesse público devidamente justificado;”
Assim, a doação com encargo, além dos requisitos acima mencionados, deverá ser precedida de licitação podendo ser dispensada a licitação no caso de justificativa devidamente motivada, sendo que o instrumento contratual deverá conter, encargos, o prazo de seu cumprimento e cláusula de reversão, sob pena de nulidade do ato (artigo 17, `PAR` 4º da Lei 8.666/93).
É regra pacificamente adotada a de que não pode haver doação de imóveis públicos sem a previsão de encargos de interesse público a serem cumpridos pelo donatário com prazo determinado em lei, sob pena de reversão ou retrocessão do bem ao poder público.
Cumpre-nos colacionar os ensinamentos do ilustre doutrinador Marçal Justen Filho:
“Ressalva-se a hipótese de doação de bem público, gravada com encargo. Assim, por exemplo, poderá ser do interesse estatal a construção de um certo edifício em determinada área. Poderá surgir como solução promover uma doação de imóvel com encargo para o donatário promover a edificação. Essa é uma hipótese em que a doação deverá ser antecedida de licitação, sob pena de infringência do princípio da isonomia. Em outras hipóteses, porém, o encargo assumirá relevância de outra natureza. A doação poderá ter em vista a situação do donatário ou sua atividade de interesse social. Nesse caso, não caberá a licitação. Assim, por exemplo, uma entidade assistencial poderá receber doação de bens gravada com determinados encargos. (...) O instrumento de doação deverá definir o encargo, o prazo de seu cumprimento e a cláusula de reversão para o patrimônio público do bem doado em caso de descumprimento. A regra aplica-se tanto aos casos de dispensa de licitação como aqueles em que a licitação ocorrer.” (Grifo nosso) (Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Editora Dialética. 9ª Edição. 2002. p. 185)
Faz-se salutar esclarecermos que a doação pura e simples somente pode ocorrer quando o donatário for outro órgão ou entidade da Administração (art. 17, I, b, Lei nº. 8666/93).
Ademais, importante destacarmos que deverá ser observado com cautela às disposições e limitações contidas na Lei Orgânica do Município no tocante a doação de bens públicos.
Apenas para exemplificarmos, a “Assembleia Legislativa autorizou o Governo do Estado a doar uma área de terra de sua propriedade, em Cuiabá, à Convenção dos Ministros das Igrejas Assembléias de Deus (Comademat) para implantação e edificação – com recursos próprios – de projeto de assentamento com 176 lotes” (www.al.mt.gov.br).
A Lei restringe a dispensa de licitação para a doação a casos de interesse social. Qualquer doação de bem público pressupõe interesse público, a regra legal impõe à Administração que verifique se a doação consiste na melhor opção.
Diante do exposto, entendemos que sendo a doação um instituto de direito privado e não público, mas que é também utilizado pela Administração Pública, deverá ser necessariamente cercado das cautelas e restrições que os contratos com entes públicos sempre precisam envolver.
Importante frisarmos que ao Município comporta utilizar-se da doação de bens públicos quando devidamente demonstrado o interesse social para a comunidade.
Insta salientar que, havendo interesse público no caso concreto que justifique a cessão da área, a Administração Pública poderá optar pela doação do imóvel, contudo, mediante Lei autorizativa e com possibilidade de reversão do bem para a Administração Pública no caso de descumprimento da finalidade do imóvel. É admissível que o doador imponha certas determinações ao donatário como condição da efetivação da doação.
Salvo Melhor Juízo.
É o nosso Parecer.
*Marta Lúcia De Bona (OAB/MT 7.584) integra a equipe da Coordenação Jurídica da AMM
Pelo acima exposto, fica claro que a matéria intitulada "Santa Inês: MP estaria tentando impedir o lazer e a geração de emprego e renda?", mesmo que interrogativa, é por demais, tendencioso a opor a opinião pública à ação tomada pela ilustre representante do MP em Sta. Inês. Dentre outros pontos do artigo acima, podemos destacar:
ResponderExcluir"A Lei restringe a dispensa de licitação para a doação a casos de interesse social. Qualquer doação de bem público pressupõe interesse público, a regra legal impõe à Administração que verifique se a doação consiste na melhor opção."
Outro ponto:
"(...) a doação um instituto de direito privado e não público, mas que é também utilizado pela Administração Pública, deverá ser necessariamente cercado das cautelas e restrições que os contratos com entes públicos sempre precisam envolver."
E, por último:
"Importante frisarmos que ao Município comporta utilizar-se da doação de bens públicos quando devidamente demonstrado o interesse social para a comunidade."
Portanto, a Promotora de Justiça quando aduz, em sua ação civil pública, que:
"Nenhuma cautela foi adotada tanto por parte do Município de Santa Inês, quanto pelos vereadores na apreciação do projeto, uma vez que sequer foi realizado um estudo jurídico e social para aferir se a empresa beneficiária da doação é adequada a receber o terreno. Tal procedimento fere os princípios constitucionais da impessoalidade, publicidade e moralidade."
[Ela] não está querendo, de forma alguma, impedir o progresso e a geração de emprego e renda no município de Sta. Inês, mas, tão somente, que sejam respeitados os ditames legais para a efetivação da doação do bem público.
Bom saber que o senhor repensou suas palavras, quando achou que eu estava acometido d'alguma paixão política quando refutei a matéria publicada em seu blog.
Como o senhor disse, cabe ao judiciário a decisão final, quanto ao MP está apenas agindo como fiscal da lei que é.
É mesmo oportuna essa explanação do assunto, Daniel Aguiar. Agradeço de coração as informações. Agora posso debater com dois vereadores que teimam em dizer que fizeram o correto. Sempre acompanho o teu trabalho. Juca Silva
ResponderExcluirCaro anônimo,
ResponderExcluirmantenho a lamentação, desprovida de ironias descabidas, com relação a sua interpretação do texto anterior. De modo direto, reafirmo que o texto busca tão somente levantar o debate e, de forma alguma, induzir o leitor ao erro - como insiste em insinuar.
Não gostaria de prolongar a conversa (até proveitosa e, de certo modo, interessante) porém, me sinto na obrigação de, novamente, relembrar que o título da matéria anterior a esta é uma indagação. Questionamento esse feito por muitos moradores de Santa Inês: "MP estaria tentando impedir o lazer e a geração de emprego e renda?". Quanto ao corpo da matéria, limita-se apenas a mostrar a versão do Município sobre o caso. A exemplo do texto também publicado neste blog: "Prefeito e 15 vereadores são acionados por improbidade administrativa", cujo conteúdo é formado apenas pelas denúncias do Ministério Público.
No mais, caro anônimo, reitero meus votos de estima e admiração - e é até estranho - por alguém que atende por pseudônimo, mas que me propiciou momentos de risos e divagações acerca do assunto em questão.
Com todo respeito,
Daniel Aguiar
QUERO VER É PAU TROCER E O GALO CANTAR. TEM VERIADOR QUE NÃO PASSA UMA AGULHA APERRIADO. VAI NA ONDA DO SEBA BANDO DE MARIA VAI COM AS OUTRAS PRA TU VE O SOL NASCER QUADRADO.
ResponderExcluirConfesso que, também, rir muito... Paz, saúde e felicidades!!!
ResponderExcluirConsiderando a forma de como aconteceu essa doação, pq não doar para construção de um Shopping, um parque de diversões permanente, uma área para um restaurante estilo a Blitz de Bacabal, um cinema de grande porte... Acontece que todas essas formas de lazer que acabei de citar não são de empresas privadas incluindo a empresa que se beneficiou com a doação. Quero ver o cidadão de baixa renda levar sua família e conseguir entrar nesse parque aquático sem pagar. Agora é assim: Se gera emprego e lazer pode doar.
ResponderExcluirDra. Flavia o prédio do ministério público foi doado pelo Dr. Cabral.
ResponderExcluirSe não pode ser feito doação, então devolva o prédio para a prefeitura.
A Constituição é clara, doação é uma prerrogativa do executivo com a devida autorização do legislativo.
ResponderExcluirO que a Flavinha "Bringel" argui é que foi doado para uma empresa e ela queria que fosse licitado, ora doar se doa a alguém. A licitação ou chamada pública é que é para que qualquer empresa, devidamente habilitada, possa participar.
Doutorazinha, vamos ler, interpretar e aprender, aí a senhira vai ver que fez uma grande besteira.
Ou será se a senhora perdeu essa aula? Tá na hora de aprender ou pedir para os seus comegas lhe ensinar