Por Luiz Carlos Mertem, de O Estado de S. Paulo
Quase 600 páginas, 1.100 ilustrações. O volume da Editora Sextante, Tudo Sobre Cinema, é o guia dos sonhos do cinéfilo não necessariamente ligado em teoria. Tudo o que você queria saber sobre o cinema e os grandes filmes – os grandes autores – em uma linguagem clara, acessível. Os filmes e movimentos dissecados e contextualizados. Na abertura, o próprio autor, Philip Kemp, retrata histórias e lembra que o 28 de dezembro de 1895 é universalmente aceito como o dia em que o cinema foi inventado.
Neste dia ocorreu a primeira sessão do cinematógrafo, criado pelos irmãos Louis e Pierre Lumière. Eles próprios não punham muita fé no futuro de sua invenção, mas, em 1914 – menos de 20 anos depois, um nada em termos de história da pintura ou da literatura –, o cinema já era um meio massivo que tornara internacionalmente conhecido um comediante chamado Charles Chaplin, com seu personagem Carlitos, que ele ainda ia aperfeiçoando.
Numa entrevista por telefone, de Londres, Philip Kemp - crítico e historiador, autor de livros como Inocência Letal, O Cinema de Alexander Mackendrick – assume que teve importantes colaboradores, principalmente nas pesquisas para Tudo Sobre Cinema. Mas se assume como autor e, quando o repórter lhe diz que o livro tem duplo crédito – o outro autor seria Chistopher Frayling –, Kemp diz que o historiador lhe forneceu importantes subsídios para estabelecer a linha cronológica do cinema (também escreveu o prefácio), mas isso não lhe fornece o crédito de coautoria.
Justamente a linha cronológica. O cinema, de todas as artes, é a única que tem uma cronologia que veio sendo seguida ao longo dos últimos 116 anos, desde aquela pioneira primeira sessão, em Paris. "O que fizemos foi incrementar essa linha cronológica", Kemp agora fala no plural, honrando seus colaboradores. "O cinema é resultado de contribuições individuais e coletivas. Surgiu no bojo do desenvolvimento tecnológico e científico, quando se acreditava, os socialistas utópicos, que uma nova era estava surgindo para a humanidade. Para eles, de posse da técnica, os homens poderiam acabar com as desigualdades sociais e instalar a felicidade. Não foi bem assim, ou só se foi a felicidade que se pode ter assistindo a um filme."
É um meio democrático – "Nasceu da mente de cientistas, mas se desenvolveu em feiras populares", lembra Kemp, para quem, desde logo se estabeleceu uma dicotomia. "Logo após a 1.ª Guerra, a Europa perdeu a hegemonia da produção de filmes, que passou para os EUA. Os norte-americanos logo perceberam o potencial econômico do cinema, cavando um abismo. Os produtores sempre quiseram maximizar os ingressos e os benefícios, os diretores, pelo contrário, queriam avançar as pesquisas de linguagem. Arte e indústria têm estado em litígio, desde então."
O repórter aproveita para destacar a importância da terceira via, que Selton Mello estabeleceu no cinema brasileiro graças ao sucesso de O Palhaço. Kemp, como crítico, acredita na terceira via, mas ele não discrimina a grande indústria, os chamados blockbuster. "O cinema de um autor como Stanley Kubrick necessitava de grandes recursos e o que dizer hoje de Christopher Nolan? A Origem é um dos filmes mais complexos e criativos já feitos. O Batman de Nolan é um personagem dos mais ricos. Como negar vida inteligente ao cinemão?"
O livro divide-se em seis partes que mapeiam a linha evolutiva e cronológica do cinema. Elas incluem os grandes movimentos – expressionismo, neorrealismo, nouvelle vague – e os grandes autores. D.W. Griffith, Sergei Eisenstein, Orson Welles, Jean-Luc Godard. Cinema nórdico, oriental, as revoluções tecnológicas dos anos 1850 e 60, a nova era digital consolidada nos anos 2000. Tudo, e com muitas fotos que reproduzem as cenas famosas do cinema e situam os diretores.
Eisenstein. "Não é um livro de teoria, porque a encomenda era contar uma história, mas não se pode deixar de formular alguns conceitos teóricos para entender a montagem de Eisenstein, o uso da profundidade de campo de Welles", esclarece Kemp. Da mesma forma, ele admite que gostaria de ter enumerado mais filmes. "Mas aí teríamos de ter mil páginas e o custo seria muito maior." Existem filmes que não podem faltar. A Viagem à Lua de Georges Méliès; O Nascimento de Uma Nação, de Griffith; O Gabinete do Dr. Caligari, de Robert Wiene; Potemkin, de Eisenstein; Aurora, de Murnau; Cidadão Kane, de Welles; Roma, Cidade Aberta, de Roberto Rossellini; Acossado, de Godard, etc. "São filmes que fizeram avançar a linguagem e estabeleceram nossa relação com o cinema", avalia.
O cinema brasileiro se insere no latino-americano. Dois títulos ganham destaque – Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha, e Central do Brasil, de Walter Salles. E Cidade de Deus, que virou o emblema do cinema brasileiro no exterior, nos anos 2000? "Se tivéssemos mais espaço, poderia ter entrado. Dentro da disponibilidade, o critério não é só de importância histórica, mas também tem a ver com minhas preferências, o cinema em que acredito." E qual é o melhor filme que Kemp viu recentemente? Ele não vacila – "Uma Separação, de Asghar Farhadi. Pode-se entender o Irã só a partir desse filme". Vencedor do Urso de Ouro em Berlim, no ano passado, Uma Separação estreia no Brasil nas próximas semanas.
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