15 de janeiro de 2012

Uma brasileira no topo do itunes


Aos seis anos, uma moreninha magrela e falante já chamava a atenção da vizinhança na pacata São João Del Rei, interior de Minas Gerais, com sua banquinha, alugando gibis e vendendo de pipoca a brinquedos fora de uso. Aos 12, comprou briga com o gerente da cantina porque resolveu vender sanduíches naturais dentro da escola - insistente, levou a barraquinha para o lado de fora. Ela acabou se formando em Direito, fazendo mestrado em gerência política na George Washington University, uma das mais prestigiadas nessa área, mas o sangue libanês, uma hora, falou mais alto. Hoje, aos 33 anos, Sarah Calil Gontijo é presidente da Hello-Hello, criadora do aplicativo de mesmo nome, um dos primeiros para ensino de idiomas, que se tornou também dos mais baixados do iTunes em vários países, incluindo o Brasil.

A Hello-Hello nasceu por acaso, em 2009, com um site gratuito de idiomas que evoluiu para uma desenvolvedora de aplicativos para celulares e tablets. Na época, Sarah tinha acabado de acertar um trabalho como voluntária na campanha de Barack Obama. Era tudo o que uma estrangeira de 31 anos, recém-saída de um mestrado em política, poderia querer. Mas o destino colocou na sua vida um americano com ascendência indiana e tudo mudou.

"Me interessei pela cultura dele, quis aprender indiano, mas só encontrava aqueles CDs como opção", conta Sarah. "Foi aí que pensei: por que não inventam um jeito mais moderno de ensino de idiomas?".

Início. O novo amigo - que veio a se tornar seu futuro sócio e único investidor (ele já tinha uma empresa bem sucedida de educação à distância nos EUA, com 4,5 mil funcionários) - sugeriu que ela mesma criasse o negócio. Sarah largou a política e montou o site de idiomas, inicialmente com apenas um programador. Em janeiro de 2010, com US$ 150 mil no bolso, mudava-se para Nova Délhi para montar a operação. "A Índia tem mão de obra preparada e custo pelo menos 70% inferior ao dos EUA", diz.

O timing era perfeito. O primeiro aplicativo foi lançado em abril de 2010, pouco depois do iPad. Para sua surpresa, o Hello-Hello apareceu na prateleira do iTunes entre os 1.000 aplicativos selecionados pela Apple. "O Hello-Hello espanhol era o primeiro no mundo. Na época, alcançou a segunda posição na categoria educação na loja do iTunes nos EUA", diz. Em agosto, foi a vez da versão em inglês, o que colocou a marca na primeira posição da categoria em lugares como Brasil, Itália, França, Alemanha, China, Rússia.

Hoje, a Hello-Hello tem aplicativos para tablets e celulares em 11 idiomas. Segundo Sarah, 40% da receita vêm dos EUA e 60% de vendas internacionais. A empresa continua em Délhi, num escritório modesto com 10 funcionários, entre programadores e designers. Seu custo mensal é de apenas US$ 12 mil. Ao contrário de boa parte das startups de tecnologia, começou a dar lucro quatro meses depois de lançar o primeiro produto.

Seu principal concorrente é o Voxy, criado pelo americano Paul Vollash em setembro de 2010. Disponível para iPhone e Android, tornou-se rapidamente popular em diversos países - no Brasil, inclusive. Em agosto, a empresa recebeu US$ 2,8 milhões de investidores e anunciou que um de seus alvos nessa nova etapa será o Brasil.

IPO. Sarah também pretende atrair novos investidores. No fim do ano passado, iniciou uma rodada de captação para levantar entre US$ 2 milhões e US$ 5 milhões com fundos de venture capital americanos. "Pelas nossas projeções, a empresa tem potencial para fazer IPO (oferta pública inicial de ações, na sigla em ingles) em 2015. Esse tipo de negócio tem crescimento muito rápido e baixo custo operacional", afirma, otimista. "Os investidores da costa leste americana dão muito mais valor para a ideia do que para os números", diz, justificando o IPO para uma empresa que ainda é de pequeno porte.

A empresária se agarra a uma projeção do Morgan Stanley segundo a qual, em 2015, o acesso à internet pelo celular vai ultrapassar o acesso pelo computador no mundo (veja gráfico ao lado). O mercado de ensino de idiomas é estimado em cerca de US$ 80 bilhões por ano. É bastante fragmentado e com grande potencial de crescimento - basta ver o caso do Brasil, onde só pequena parte da população fala uma segunda língua. "Esse é um momento importante de exploração de dispositivos móveis educacionais. É uma área que vem dando uma virada por causa da tecnologia. E o Brasil é o quinto maior mercado de celulares do mundo", diz Martim Restrepo, diretor da Editacuja Editora, especializada em conteúdo digital para educação.

O próximo passo de Sarah é abrir um escritório no Brasil e convencer empresas de telefonia móvel a embutir seu programa nos aparelhos, assim como já vem tentando na Índia. Também pretende iniciar conversas com o governo daqui para incluir o Hello-Hello nos tablets que serão distribuídos nas escolas públicas. "Vivemos uma fase de descoberta. O que precisa mudar é a concepção de educação. De nada adianta encher a escola de tecnologia se a dinâmica das aulas ainda é do século passado", diz Restrepo.

Patrícia Cançado, de O Estado de S. Paulo 

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