8 de setembro de 2011

Jornal e jornalista – amor e ódio



Por Por Luiz Amaral (*

O sentimento em relação a jornal e jornalista é de amor e ódio, quase sem meio termo. E é antigo. O papa Pio VII (1742)  tachou a liberdade de imprensa de “depravadora de costumes do povo ”, e Leão XII (1760) chamou de “ delírio ” a liberdade de consciência . O romancista português Eça de Queirós disse ”o jornal exerce hoje todas as funções do defunto Satanás, de quem herdou a ubiquidade, e é não só o pai da mentira, mas o pai da discórdia .”

O desdém ao jornalista data de séculos e tem rastros em muitos países , inclusive na França, vista como liberal .  La Fontaine disse: “ Todo fazedor de jornais deve tributo ao Maligno .” Mais tarde , Balzac completaria: “ um dos prazeres secretos dos jornalistas é o de aguçar o epigrama , de polir-lhe a lâmina fria que encontra a sua bainha no coração da vítima, e de esculpir-lhes o cabo para os leitores .”

O escritor Ribeiro Couto (Conversa Inocente) comentou que não há talvez gente mais detestada em segredo que os jornalistas, nem gente  a quem os outros , quase sempre , recorram tanto ‘’. E foi além na crítica à profissão:
- Força irresistível, dominadora, ostensiva de todo  o panorama social, construindo heróis falsos ou verdadeiros  ou falsos ídolos , o jornal – esta folha de papel que custa um níquel , que interessa durante uma hora – é escrito na verdade por gente suspeita . Donde vieram esses sujeitos em mangas de camisa, com uma ponta de cigarro no canto da boca, que rabiscam nervosamente no fundo da sala? Que pensamentos e ambições estarão por trás dessas frontes inclinadas sobre a mesa?

A profissão realmente é vista com certo desprezo. Os especialistas não estão certos de que a frase seja de Mark Twain, mas que tem a cara dele, tem:  “Tornei-me jornalista , detesto, mas não achei um emprego honesto ”. Já Rui Barbosa  envereda pelo elogio e diz que “cada jornalista é, para o comum do povo, ao mesmo tempo um mestre das primeiras letras  e um catedrático de democracia em ação , um advogado e um censor , um familiar e um magistrado .”

O sociólogo Câmara Cascudo a partir de determinado momento passou a detestar o assedio dos repórteres: “Fecha esta maquininha fotográfica , meliante . Há 70 anos que sou perseguido por sua espécie. Agora , repórter já fui, lembro que quando íamos entrevistar , nossa liberdade era grande : se o homem não dizia  nada , a gente inventava. Em 1915, meu pai possuía um jornal . Nele comecei como repórter.”

Conta o repórter Joel Silveira que, certo dia , quando tentava lhe arrancar uma entrevista para seu jornal , o escritor Graciliano Ramos o recebeu ríspido e, num tom de reprimenda, disse que não sabia de “ profissão mais idiota do que essa de vocês , que vivem a recolher bobagens de pessoas sem importância ”.

O conceito de liberdade de imprensa tem raízes na história americana. A  imprensa é o único empreendimento comercial com  proteção específica na primeira emenda à Constituição . A relação entre as fontes de informação e objetos do interesse da mídia, sobretudo no centro do poder, a Casa Branca, nem sempre , porém , são pacíficas. O dialogo é conflituoso, marcado pela ironia, desconfiança de ambos os lados e por um rastro de  menosprezo por parte dos detentores do poder. O secretário de imprensa Marlin Fitzwater tinha a seguinte opinião:
- Os repórteres se reúnem pela manhã como uma alcatéia de leões. Rosnam, resmungam, dormem e rastejam, ocasionalmente amam, masestão sempre famintos. Embora pareçam as mais gentis criaturas, podem se irritar com a mais leve provocação.

Mrs. Bush convidou, em 1992, Hyllary Clinton para visitar a Casa Branca, sua futura resdência.  Fotógrafos e repórteres estavam presentes. Mrs. Bush apontou para eles, virou-se para Hillary e aconselhou: “Evite esta multidão como uma peste!”

O presidente Nixon, viajando pelo Força Aérea Um , o avião da presidência dos Estados Unidos, vai à área destinada à imprensa que estava sendo ocupada pelos agentes do serviço secreto , e comenta em tom de alívio : “Está cheirando melhor aqui …’’

O chefe do Estado Maior das Forças Armadas  Colin Powell, agastado com uma pergunta da repórter Helen Thomas, olhou para alguém ao lado , apontou para ela e perguntou:
- Não tem nenhuma guerra por aí para onde a gente possa mandá-la?
Os presidentes americanos são conhecidos por desdenharem dos jornalistas. Há todo um folclore a respeito e os próprios jornalistas parecem aceitar as pitorescas manifestações presidenciais”.   Mais alguns exemplos :
 Franklin Roosevelt autografou uma foto para fotógrafos e repórteres que o cobriam, assinando “de sua devotada vítima.” Richard Nixon, que mantinha uma  “ lista de inimigos ” que incluía jornalistas,  comentou enquanto repórteres e fotógrafos estavam entrando no Gabinete para uma cobertura qualquer : “É apenas coincidência que estejamos falando de poluição no momento em que a imprensa está chegando”.

Jimmy Carter parecia implorar aos céus: “Perdão , Senhor , eles não sabem o que fazem.”
Ronald Reagan comentou no dia em que os comunistas em El Salvador atacaram um helicóptero cheio de jornalistas : “ Todos nós temos um lado bom .” George Bush disse: “ Antes de chegar à Casa Branca eu acreditava na liberdade de imprensa , agora acredito na liberdade da imprensa ”.
E Bill Clinton, indagado por um amigo por que a imprensa sempre o seguia quando estava fazendo Cooper, respondeu:  “ Para ver se eu caio morto .”

As mulheres repórteres são consideradas piores, ainda são mais temidas dos que seus colegas homens.  Pierre Salinger, secretário de imprensa do presidente Kennedy, comentou que quando o presidente se preparava para uma entrevista coletiva seus assessores podiam prever 90 por cento das perguntas que seriam feitas. Mas as  repórteres eram simplesmente imprevisíveis, suas perguntas os aturdiam…

Bem, dessa guerra entre os dois lados e o tom anedótico com que é tratada a imprensa, parece prevalecer o testemunho de Martha Gellhorn, escritora, correspondente de guerrra – da Guerra Civil Espanhola à Guerra do Vietnã - , terceira mulher de Ernest Hemingway:
- A prova do poder da imprensa é o medo da imprensa por parte do governo. 

*O jornalista Luiz Amaral, autor de 4 livros sobre jornalismo, foi homenageado no VII Congresso Nacional de História da Mídia, realizado recentemente, em Fortaleza (CE), organizado pela Associação Brasileira de História da Mídia.




O texto foi publicado no site http://www.pantanalnews.com.br/  no dia 

06/09/2011






Nenhum comentário:

Postar um comentário

Todos os comentários postados no Notas do Daniel Aguiar passarão por moderadores. O conteúdo dos comentários é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a nossa linha editorial.