08 de outubro, dia do nordestino, lembramos do aniversário de um dos maiores compositores do Maranhão e do Brasil. Catullo da Paixão Cearense.
Ao começar um levantamento da música nordestina dentro da indústria fonográfica nacional, nada mais justo do que citar aquele que, além de violeiro, foi também poeta pioneiro do Nordeste a ter uma letra gravada em disco.
Catullo da Paixão Cearense, nascido em São Luís, em 8 de outubro de 1863, entrou definitivamente para os anais da música brasileira ao trazer o violão das rodas de seresteiros para os conservatórios de música em 1908.
O registro de Talento e Formosura - sua e de Edmundo Otávio Ferreira- feito pelo cantor Mário Pinheiro em 1906, constitui-se num dos itens mais raros da discografia nacional. Verdadeiro marco na afirmação de uma identidade regional na embrionária indústria cultural brasileira, a gravação deste acetato de 78 rpm, se deu graças à instalação do primeiro selo de música no Brasil: a Casa Edison.
É bem verdade que na época da gravação destas e de outras músicas, o compositor de Luar do Sertão já era um vate renomado, tendo suas audições de modinhas, penetração nos saraus do Império, passando pelas primeiras décadas do século servindo de fundo musical à República Velha . Mas a primeira música de tonalidades rítmicas regionalistas, lembrando os folguedos do "Norte", foi Caboca de Caxangá, gravado no mesmo selo em 1913 com a denominação de batuque sertanejo.
O registro, feito pela dupla Baiano e Júlia Martins, constitui-se portanto no momento zero em que a incipiente indústria fonográfica categorizou um segmento musical com referência nítida à região de onde teria vindo.
Antes de se lançar no vôo desatinado de querer entender o artista puramente pela sua música, faz -se necessário que o leitor saiba um pouco mais sobre as origens do poeta. Filho do ourives Amâncio José da Paixão Cearense e de Maria Celestina Braga, o menino Catullo correu pelas ruas e casarões da sua cidade com os irmãos Gil e Gerson até os dez anos. Depois mudou-se, com os pais, para a fazenda dos avós paternos, no sertão cearense.
No contato com a gente simples, bebendo desta sabedoria e se fartando deste imaginário matuto, o futuro violeiro soube coletar os mais puros motivos e recria-los, além de registrar as peculiaridades lingüísticas do caboclo da caatinga. Suas modinhas, que a tantos agradaram no ocaso da monarquia e nas primeiras décadas da república, refletiam também o estado de espírito do boêmio, sempre a declamar apaixonado e muitas vezes desprezado pela sua amada. Sua presença cultural é tão grande na história da música brasileira deste período, que o escritor Lima Barreto chegou a criar o personagem Ricardo Coração dos Outros, um violonista compositor de modinhas e que é um dos coadjuvantes do clássico pré-modernista "Triste Fim de Policarpo Quaresma".
Por citar o Rio de Janeiro, uma das mudanças mais marcantes na vida do artista, aconteceria em 1880, quando a família se muda para a sede do império, deslumbrada com Paris e tentando imitar os ares progressivistas da belle èpoque francesa. Uma vez lá, o violonista iria presenciar importantes fatos políticos, como a Proclamação da República e as subsequentes crises políticas dos presidentes Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto.
Lá, em companhia dos flautistas Joaquim Callado, do violonista Anacleto de Medeiros e do cantor Cadete, o poeta trocou a flauta -até chegar no Rio ele só tocava este instrumento - pelo violão, instrumento ao qual foi iniciado por um estudante de medicina.
Mas o começo não foi de glamour. Assim que chegaram, morreu a mãe, vindo o pai a falecer três anos depois. O boêmio teve que trabalhar. De dia pegava no pesado no cais, onde era estivador e à noite embaixo das sacadas, entoando suas canções. O casamento de Catullo com o violão que o imortalizou, se deu aos 19 anos, quando largou os estudos para se dedicar ao instrumento tido como propício das "rodas de capadócio".
Quem fosse de boa família jamais andaria com um desclassificado que ostentasse um pinho! No dia 5 de julho de 1908, como já foi referido, Catullo revolucionou os padrões musico-culturais da época quando, a convite do Maestro Alberto Nepomuceno, fez um recital de violão no templo da música erudita de tradição européia. O sucesso foi geral e a platéia o aclamou. Até críticos desafetos lhe pediram desculpas. Neste momento a modinha ganhou ares de civilidade, e suas riquezas melodico-harmônicas conquistaram o gosto da classe dominante.
Luar do Sertão até hoje ilumina memória de Catullo. Em 1910, o maranhense extrairia da melodia do côco É de Humaitá na sua Luar do Sertão, que se tornou imediatamente um clássico da nossa música. A polêmica foi instaurada porque o violonista João Pernambuco reclamou autoria da música o que ainda hoje é discutido entre os seus historiadores.
Nas décadas seguintes, o tempo só fez coroar aquele que tirou o violão dos ambientes sórdidos e ajudou na consolidação da modinha que, ao lado do lundu, foram os primeiros gêneros musicais surgidos no Brasil.
Foram a recitais três presidentes: Nilo Peçanha e Hermes da Fonseca e Getúlio Vargas. Dentre os seus divulgadores principais está o cantor carioca Vicente Celestino, que fez sucesso entre os anos de 37 e 42, interpretando Catullo, além de Paulo Tapajós, Orlando Silva e Carlos José. Apesar de todo o sucesso obtido - não significando retorno finaceiro - houve também os inevitáveis desafetos, como foi o caso do violonista João Pernambuco, que também reivindicou autoria de Cabôca de Caxangá. A última homenagem digna de registro que se tem notícia foi a regravação de Luar do Sertão, feita pela dupla Luiz Gonzaga e Milton Nascimento em 1986 para um dos últimos discos do rei do baião.
Ainda assim, publicou dez livros de canções com modinhas em estrutura semelhante aos cordéis, com letras retratando o falar matuto.
Como sempre acontece com a maioria dos grandes artistas, Catullo da Paixão Cearense morreu pobre em 10 de maio de 1946. Seus direitos autorais, possível e única fonte de renda, foram vendidos a um amigo por preço irrisório. Findou seus dias morando numa casa de madeira no subúrbio carioca de Engenho de Dentro
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